quinta-feira, 19 de março de 2015

Pode ou não pode?!

Foi numa dinâmica de um grupo muito querido e ainda anônimo que me deparei com uma amarra bastante incômoda: pode ou não pode?

A atividade foi claramente explicada. Os combinados eram simples. No entanto, em diversos momentos a pergunta "isso pode?" vinha à minha mente. Na dúvida, eu não agia. Na dúvida, eu julgava (Fulano tá fazendo isso. Será que pode?).

Percebi então o número de vezes que meu filho de 2 anos me pergunta se pode. O engraçado é que ele fica perguntando até eu falar que pode, rs...

Mas fiquei preocupada, incomodada, envergonhada, culpada - essas coisas todas que as mães ficam - ao constatar a presença constante do "pode ou não pode" na nossa vida.

Motivada também por outras conversas e acontecimentos recentes, comecei a matutar sobre a educação, as regras, as exceções... e, por enquanto, começo a desconfiar que uma educação baseada em respeito e presença não tem regras nem exceções, tem situações.

Não é fácil, mas quem disse que seria?!

Ao desenvolver esse pensamento logo me veio a imagem da Justiça, vendada, coitada. Coitada dela, que tem que resolver tudo com os olhos fechados, e coitados de nós, que ficamos à mercê de regras únicas aplicadas a situações absolutamente diversas.

Certamente que a vida em sociedade, ou mesmo a vida em comunidade, precisa de acordos, precisa de combinados. A diferença entre um combinado e uma regra é que o combinado é negociável. Ou melhor: o combinado é negociado.

- Vamos fazer assim?
- Hum, assim não dá, que tal assado?
- Legal, pode ser!

... passam-se dias...

- Oi, vamos fazer assado?
- Ah, hoje não dá, é melhor fazer assim
- Beleza!

... ou ainda...

- Vamos fazer assim?
- Não quero, que tal assado?
- Ah, não gosto... que tal assim-assado?
- Ok!

Como saber quando é assim ou assado ou assim-assado? Con-ver-san-do. Como explicar que um dia precisa ser assim e outro dia precisa ser assado? Não precisa! Não precisa explicar! Se a decisão é pautada em respeito e presença não há com que se preocupar, a situação explica por si!

Chegamos então ao ponto chave: manter a presença, agir com respeito.

Tirar a venda dos olhos. É preciso estar atento e forte!

Num primeiro momento pode parecer mais difícil, inseguro, subjetivo. Mas difícil e desgastante é sustentar uma situação que não contempla o respeito. Inseguro e subjetivo é deixar a presença de lado e delegar a responsabilidade às regras, manuais e todo tipo de pode, não pode, tem que.

Lembrete para quem for aplicar essa teoria mágica e transformadora no trato com crianças:
A criança é mais frágil que o adulto, a criança é mais sensível que o adulto, a criança é um ser em formação, a criança tem menor poder de abstração, pra criança não existe o que foi e o que será, PORTANTO, Dona Justiça, além de tirar a venda dos olhos, peço gentilmente que solte também essa balança! Os pesos e medidas SÃO diferentes quando lidamos com adultos e crianças. A criança precisa de mais respeito, mais atenção, mais cuidado, do que o adulto. Isso não é mimo, isso é ter consciência das premissas básicas citadas acima. Quando digo "mais respeito" entenda o seguinte: se alguém precisa abrir mão de alguma coisa, esse alguém deve ser o adulto.

"Ah, então tem que fazer TUDO-O-QUE a criança quiser?!"

Não! Enquanto adultos temos a grande responsabilidade de sermos cuidadores, guardiões. Por exemplo, Joaquim pede pra comer doces e eu não deixo. A-há, então não pode?! Não... não é adequado. Comer açúcar não é bom pra ele (um dia ele vai comer, tenho certeza, mas o que importa é o agora e agora não é hora...).

E aqui o que faz diferença não é tanto o fato em si, mas o como. Como contornar um doce? Com aspereza e repreensão? Não, com doçura!!! Se a criança pede doce, ela quer doçura...

Pronto, Dona Justiça, deixe cair também essa espada... ou você nunca viu ninguém compartilhar no Facebook que Gentileza gera Gentileza?!

Vamos parar de associar força a arma. Força a símbolo fálico.

A força da Justiça não está na espada. A força da Justiça está no olhar.



(tentei milhares de vezes incluir aqui uma imagem da Justiça, mas o Blogger não colaborou!!! Faça um favor: digite "justiça" no Google Imagens, rs... eu sei que você a conhece, mas vê-la agora terá outra força...)


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Dias se passaram, mais um encontro do grupo citado acima aconteceu e nele veio um complemento importante pra essa ideia. Se, por um lado, a Presença e o Respeito resolvem muito do "pode/não pode", por outro, avaliar e decidir tudo em tempo real acaba se tornando cansativo e pode ainda trazer uma atmosfera de insegurança - "fiz isso, o que será que vai acontecer agora?". Dessa forma, alguns acordos e combinados básicos precisam ser estabelecidos para que não fiquemos perdendo tempo - e energia!!! - com detalhes operacionais, por assim dizer.

Exemplo: a clássica, famosa, indefectível disputa de brinquedos entre crianças. Me diga você, mãe que frequenta parquinhos e afins, qual a cena infalível? Duas crianças começam a disputar, correm as duas mães e cada uma fala pro seu filho: "solta o brinquedo! Deixa ele brincar". O dono do brinquedo ouve que precisa emprestar, dividir como amiguinho; o não-dono do brinquedo ouve que aquele brinquedo não é dele e não deve pegar do outro. Agora imagine do ponto de vista da criança. Você é a criança dona do brinquedo: ouviu da mamãe que precisa emprestar pro amiguinho. Agora você foi lá ver o brinquedo do amiguinho, a mesma cena se repete, só que aí você ouve da mamãe que não pode pegar o brinquedo que não é seu. Peraí mano, tem alguma coisa errada!!!

Pra evitar essa confusão existe uma regra básica de convivência que é: quem pegou o brinquedo primeiro fica com o brinquedo. Se isso for explicado de maneira clara pras crianças e se todos os adultos estiverem atentos pra ver quem pegou primeiro e aplicarem o mesmo combinado, existe grandes chances de que a paz acene.

Na prática pode não ser tão simples, porque existe um apego com os brinquedos próprios. Isso funciona muito bem quando ninguém é "dono" do brinquedo.

Mas eu não falei que a regra iria resolver sua vida! A regra facilita em alguns momentos, mas não podemos abrir mão do respeito e da presença.

De qualquer forma, não sou a favor de forçar ninguém a emprestar nada. Não é assim que se aprende a dividir, não é assim que se aprende desapego.

Também não sou a favor de formar seres "bonzinhos". Não tem nada de errado com a criança que não quer emprestar! Ela não está sendo egoísta, não está querendo magoar o outro, está apenas sendo sincera com os sentimentos e desejos dela.

Também não vejo nada de errado com a criança que se encanta com o brinquedo do outro. Quem não gosta de novidade?

A questão é: como vamos proporcionar a essas crianças um ambiente seguro e confortável para que elas descubram como funciona a vida em sociedade? Como vamos ensinar a essas crianças como lidar com frustração, apego, inveja, raiva?

Sugiro que antes examinemos em nós como lidamos com essas emoções. Sugiro que examinemos em nós como lidamos com a vida em sociedade, seus acordos, seus compromissos.

E mais: não dá pra pedir pausa, refletir, chegar a uma conclusão e só então agir. É tudo ao mesmo tempo agora. Haja Presença!


sexta-feira, 13 de março de 2015

Escola: a volta dos que não foram

Não, eu não consegui. Depois de muita crise, muitos questionamentos, muito choro (de ambas as partes, registre-se), decidimos que não é hora do Joaquim ir pra escola. Decidimos que não é hora de voltar a trabalhar.

Apesar da intensidade da crise, a questão é muito simples:

- POR QUE o Joaquim precisaria ir pra escola?
- Pra mamãe voltar a trabalhar. (ponto - nunca teve nada a ver com "conviver com amiguinhos" ou "exercitar as habilidades motoras e cognitivas" - isso jamais me convenceria...)

- E POR QUE a mamãe precisaria voltar a trabalhar?
- Pra ganhar mais dinheiro. (no meu caso não estaria relacionado a "voltar à minha vida", porque minha vida profissional já estava uma bagunça antes do Joaquim nascer. Também não estaria relacionado a uma necessidade de realização pessoal através do trabalho, simplesmente porque esse não é o meu caso... minha relação com trabalho e com realização pessoal é muito mais complexa e cada vez mais eu tenho certeza de que esse não é o momento de resolvê-la. Esse é o momento do Joaquim! O problema é que de seis em seis meses eu acho que "acabou o momento do Joaquim" e que chegou o "meu momento". Mas logo em seguida eu percebo que não...)

Bom, se o sofrimento todo era "só" pra ganhar mais dinheiro, foi só fazer algumas contas pra ver que não precisava de sofrimento. Simples assim.

Claro que na prática não foi simples. Demorei pra formular a equação.

Depois que ela estava clara a solução não foi difícil. E não consigo não me culpar por não enxergar as coisas antes. Mesmo sabendo que a culpa não ajuda em nada... mesmo sabendo que tudo faz parte do processo...

A primeira semana sem escola foi pura celebração! Tudo fluía, tudo era leve. A sensação era que eu estava vivendo plenamente de acordo com a minha Verdade.

Na segunda semana não foi bem assim... caí novamente numa armadilha de achar que "tenho que trabalhar". Percebi um pouco tarde, mas não muito. Esse tema vai voltar. Essa questão é forte: trabalho - dinheiro - quem paga as contas - o que vale mais - quem vale mais - como as coisas são valoradas - quais os pesos e as medidas.

Sim, eu ia falar de escola...

O fato é que nada me convence que escola, em se tratando de primeira infância, pelo menos, é uma simples necessidade da família de "deixar as crianças em algum lugar". PRA QUÊ?! Tem que ser assim?! Quais as prioridades? Quem é o ser mais importante da sua vida e que lugar ele ocupa nessa lista?

Se a essa altura você está revoltado pode ser por dois motivos:
1. não compartilhamos da mesma premissa. É capaz que você ache que a escola tem outras (nobres) funções que não só a de "depósito de criança". Podemos conversar sobre isso...
2. você realmente concorda com o que eu disse, mas se vê numa teia, num beco, numa equação enigmática. Podemos conversar sobre isso também... não vou resolver seus problemas, cada um tem seu caminho, mas não é a toa que vivemos em sociedade. Podemos nos ajudar. Devemos nos ajudar...

E se você não está revoltado, se você já vive - ou está disposto a viver - esse novo paradigma, vamos conversar sobre isso!!! Ainda estou engatinhando, também preciso de ajuda!