sexta-feira, 1 de maio de 2015

Brincadeira e trabalho

A reflexão da vez é sobre brincadeira. Sobre a qualidade do brincar que proporcionamos às nossas crianças, mas mais ainda sobre como lidamos com a brincadeira enquanto adultos.

Brincar é humano e enquanto formos humanos precisaremos brincar!

Na infância a brincadeira molda, desenvolve, dá asas e dá chão. No adulto a brincadeira vitaliza, limpa (adoro a expressão "de alma lavada" - brincadeira lava a alma!). A brincadeira surge da criatividade ao mesmo tempo que a alimenta. Isso é vitalidade, um crescente contínuo onde não há um final, tudo é transformação.

Brincadeira é criatividade e criatividade só aflora em liberdade.

Pra criança liberdade é simplesmente a não interferência do adulto. Longe de ser negligência ou abandono. É não interferir cuidando, protegendo (super proteção não existe... se perde a medida vira sufocamento, é preciso estar atento e forte...). Deixar rolar. Dar tempo. Ah, o tempo! Claro que em algum momento o adulto poderá/deverá intervir, justamente pra manter o cuidado e a proteção, mas tenha em mente que a limitação do tempo é sua, não da criança. Tempo: quanto mais, melhor. Pro adulto liberdade é fazer porque gosta e não porque "tem que entregar amanhã". Liberdade é fazer como gosta e não do jeito que leu no manual, que o chefe mandou, que apareceu na TV, que está na moda. Mas, antes disso, liberdade é escolher os combinados que vai assinar embaixo. O combinado não sai caro...

Criança brinca, adulto trabalha. E se fosse o contrário?

E se levássemos a brincadeira da criança tão a sério quanto levamos nossos compromissos profissionais?

E se levássemos nossos trabalhos com a leveza de uma brincadeira, com a criatividade de uma brincadeira, com o prazer de uma brincadeira?

Só que provavelmente fomos uma criança desrespeitada em seu brincar. Em maior ou menor grau certamente fomos (não culpe seus pais, por favor! Isso não vai ajudar em nada...). E agora, enquanto adultos, quando adquirimos independência sobre nossos atos, quando podemos exercitar o brincar da forma mais livre que existe, quando nós que fazemos todas as regras, quando finalmente podemos mandar e desmandar nos nossos horários e ritmos e idas-e-vindas, quando podemos brincar com fogo e com faca, aí nos deparamos com outras regras, com outras hierarquias, com novos horários e aquela criança que fomos, aquela criança desrespeitada em seu brincar, surge com acessos de birra e choradeira. Ou quem você acha que está se manifestando toda vez que você sofre ao olhar pro relógio na hora que ele desperta? Ou quem você acha que resmunga na hora que chega um e-mail do "chefe" cobrando o trabalho?

Enquanto essa criança estiver se sentindo lesada em seu direito de brincar o adulto não conseguirá brincar em paz.

E não tem blá-blá-blá que resolva. Haja terapia. Haja olhar pra dentro, haja olhar pra trás. Haja consciência. Haja perdão.

A magia é que as crianças são muito generosas, as crianças sabem retribuir. Basta um olhar atencioso e amoroso que a manha começa a se dissolver. Isso funciona com crianças em tamanho de criança e com crianças em corpos de adultos.

Mas por outro lado não é só culpa da criança carente o desconforto com o despertador. Existe sim uma questão biológica, uma questão de humanidade. Por que tivemos que nos organizar de uma forma completamente desumana?

Por que aceitamos pagar esse preço? Em troca de uma segurança ilusória, de um conforto ilusório, de uma previsibilidade ilusória... não vou me atrever a responder essa questão. Não sei como isso começou, mas sei que não está dando certo.

Criança vai pra escola, adulto trabalha.

Não importa onde vive. Não importa em que fase da vida está, o adulto trabalha 8 ou 10 horas por dia, no mínimo. E pior: trabalho é trabalho, família é família e diversão é diversão. Isso não é biológico!

Mas o segredo "que eles não sabem" é que se conseguirmos voltar - na verdade não há volta, a questão não é linear - mas se conseguirmos retomar um ritmo humano, certamente seremos mais produtivos. Não produtivos no sentido de apertar mais parafusos para fabricar mais carros para dar mais dinheiro a uma ou duas pessoas enquanto continuamos a andar de ônibus lotado. Seremos mais criativos, seremos mais felizes, pelo simples fato de que "gente nasceu pra brilhar", a natureza é próspera, Vida quer Vida.

Viver de forma anti-humana não é viver, é sobreviver. Até quando?



Criança - Adulto
Brincadeira - Trabalho
(brincadeira sem qualidade, brincadeira enlatada - trabalho sem prazer, trabalho por obrigação)
Escola - Trabalho
(preparação para o trabalho - constatação de que aquela preparação só atrapalhou)

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V.I.D.A
S.E.R H.U.M.A.N.O

(sem dicotomia, sem regra fixa, respeito aos ritmos biológicos, valorização das relações)