quarta-feira, 27 de julho de 2011

VIII - O jogador no banco de reserva

Durante todo o meu período escolar as aulas de educação física sempre foram um tormento. Eu não tinha habilidade nenhuma e preferia ficar horas resolvendo equações ou estudando qualquer assunto do que uma única partidinha de voley.

E justamente por essa aversão esportiva eu não entendia quando via os jogadores no banco de reserva, tanto na escola quanto em grandes jogos pela televisão, ansiosos para entrar no jogo logo, olhando para o técnico e gritando mentalmente (ou verbalmente) "deixa eu jogar, deixa eu jogar!". Pra mim isso não fazia sentido. Pra que ir lá pro meio, correr, suar, correr o risco de se machucar?! Tudo o que eu queria era ficar no banco de reserva pra sempre, quietinha, torcendo pro jogo acabar logo!

O que eu não exergava é que, uma vez que você queira entrar em campo, ficar no banco é uma tortura, pois quem está no banco e quer jogar sabe que tem muito a por em prática, quer seja pela equipe, quer seja pelo seu próprio prazer em fazer o que gosta.

Na questão da maternidade eu venho ficando "no banco" há bastante tempo. Primeiro tranquila, recostada lendo uma revista, sem ligar muito pro jogo. Agora a vida de reserva começa a ficar meio tediosa e subitamente o jogo me parece mais interessante.

Só que ao mesmo tempo, eu não posso entrar assim, sem mais nem menos. O tal do técnico precisa olhar pra minha cara e dar um sinal. E quem é esse técnico? Seria a minha razão? Fico ansiosa por saber qual será o momento em que eu, conscientemente, com a autorização do "técnico", vou dizer "ok, agora eu posso engravidar".

quarta-feira, 6 de julho de 2011

VII - Aprender a desaprender

Ontem participei do workshop "Parto: como escapar das armadilhas", ministrado pelo Michel Odent, grande referência das novas formas de entender o parto e tudo que o cerca.

E hoje, "coincidentemente", comecei meu dia lendo um trecho do livro do Rubem Alves, Variações sobre o prazer, onde ele fala da necessidade de "desaprender", como forma de encontrar um caminho mais profundo e verdadeiro de autoconhecimento. Ele cita o Tao-Te-Ching:

Na busca do conhecimento a cada dia se soma algo.
Na busca do Caminho da Vida a cada dia se diminui algo.

Diz ainda que precisamos deixar cair as cascas, antigas, mortas e ressecadas, para deixar ver o tronco liso, sobre o qual a mão desliza com prazer. E o gancho impressionante com as coisas que ouvi ontem é quando ele cita uma atitude que o taoísmo chama de wu-wei: "cessar toda atividade de controle consciente para que a sabedoria natural da vida faça o seu trabalho". Ele complementa: "Para isso é necessário estar muito bem consigo mesmo" e ainda cita Nietzsche: "O homem que está bem sabe como esquecer. Para isso, ele é forte o bastante". Substituido a palavra homem por mulher tem-se uma máxima para os trabalhos de parto!

Uma das principais coisas que o Michel Odent frisou em sua fala é a necessidade de, durante o trabalho de parto, inibir a ação do neocórtex, a região do cérebro ligada ao intelecto e a parte do cérebro mais recente no processo evolutivo. Isso é justificado pela afirmação de que o parto é uma atividade involuntária, regulada por estruturas cerebrais arcaicas e primitivas. E justamente por ser uma atividade natural e involuntária, não é possível "ajudar", mas existem inúmeras formas de atrapalhar, sendo uma das principais o estímulo ao neocórtex.

Esse estímulo se dá principalmente através da linguagem. Quanto mais racional a linguagem, pior, e quanto mais simples a linguagem, menos pior. Portanto, fazer perguntas a uma parturiente é uma ótima forma de atrapalhar seu processo de parto. Falar em centímetros também, pois "liga" a parte racional, que atrapalha o processo instintivo e "animal", fundamental para dar à luz.

Analisando dessa forma, ele diz que a única função da pessoa que acompanha o parto é proteger a mulher, para que ela tenha sossego suficiente e não seja importunada. Ela sabe o que fazer e não precisa de ninguém lhe dizendo faça isso, faça aquilo. Só precisa de sossego.

Na teoria parece lindo e acho que realmente deva ser, mas a realidade mostra situações bem diferentes e é por isso que ele diz que estamos no "fundo do poço" com relação à compreensão do processo de parto e nascimento. Existem condicionantes culturais milenares, em todas as civilizações, que tem levado à ideia de que a mulher precisa de ajuda para parir, embora todos os outros mamíferos mostrem o contrário.

Embasado por descobertas da fisiologia moderna ele propõe então este novo paradigma, do parto como processo involuntário, que precisa nada mais do que proteção. No âmbito da fisiologia são ressaltados então três mecanismos:

1. Antagonismo entre adrenalina e ocitocina: os mamíferos liberam um OU outro hormônio e, uma vez que a ocitocina é indispensável no processo do parto, o desejável é anular a produção de adrenalina. As situações que mais causam produção de adrenalina são medo, sentir-se observado e frio, logo, para dar à luz a mulher precisa se sentir segura, sem ser observada, e estar em um ambiente quente. Quando o nível de adrenalina está baixo, os músculos ficam completamente relaxados, como quando estamos dormindo ou prestes a dormir. Todas as condições para que se tenha um sono tranquilo são antagônicas àquelas em que se produz adrenalina. Logo, algumas recomendações como andar e ficar na posição vertical vão contra essa ideia, bem como estimular que a mulher coma alimentos energéticos. Como ele mesmo disse: "ela não vai correr uma maratona, só vai parir!". Outro mecanismo interessante que ele cita é o dos neurônios espelho. Por trás disso está a afirmação de que estados emocionais são altamente contagiosos e que, portanto, as pessoas que acompanham o parto tem o dever de manter o nível de adrenalida extremamente baixo. Ele diz que as parteiras de antigamente ficavam tricotando, em silêncio, e hoje sabe-se que atividades repetitivas reduzem o nível de adrenalina.

2. Outro mecanismo é o da inibição neocortical, que já foi citado. Há aqui uma necessidade de se desconectar do mundo, esquecer dos livros e dos planos. E a importância de não se sentir observada, pois quando identificamos que tem alguém nos observando, nós nos observamos e isso é trabalho do neocórtex... fisiologicamente falando, existe um hormônio que inibe a ação do neocórtex, que é a melatonina, ou hormônio da escuridão. Este hormônio é secretado quando vamos dormir e quanto maior a intensidade luminosa, menores as chances de ele aparecer. Portando: baixa luz no ambiente de parto!

3. E por fim, a atuação dos hormônios que produzem retenção de líquidos, a vasopressina e a ocitocina (ela de novo!). Provavelmente essa foi a solução da natureza para manter a mulher com a bexiga vazia, pois ela cheia dificulta o parto. Com esses hormônios atuando não há o risco de desidratação no trabalho de parto, já líquidos em excesso pode ser até perigoso e deixar as contrações fracas. Com essa descoberta a conclusão é: "só beber água quando tiver sede!". Neste ponto ele é até irônico, dizendo que a ciência moderna precisa intervir para nos fazer enxergar coisas tão óbvias!

Outra coisa interessante é que o parto só acontece quando a placenta é expelida, portanto a terceira fase do trabalho de parto é o tempo entre o nascimento do bebê e a saída da placenta. Essa última fase requer os mesmos cuidados, a mesma proteção: importantíssimo o ambiente estar quente e proteger a mãe e o bebê de QUALQUER distração. É um momento apenas dos dois e inclusive a presença do pai é questionada. Nesse momento é quando ocorre o pico máximo de ocitocina.

Dada a importância do bebê permanecer junto à mãe nesse primeiro momento é que existe um instinto maternal agressivo de proteção do bebê. Tente tirar um bebê gorila de sua mãe e veja o que acontece! Mas esse instinto tem sido neutralizado pela maioria das culturas, por milhares de anos.

Ele encerra sua fala da manhã dizendo que o futuro da humanidade é um assunto feminino.

O período da tarde foi aberto para perguntas e coisas interessantes foram ditas sobre a participação do pai, que tradicionalmente não acompanhava os partos, que eram âmbito exclusivo das mulheres. Os homens ficavam ocupados com tarefas, como ferver água, e ficavam fora do ambiente de parto.

A participação dos homens começa a ser notada nos grandes hospitais, quando a única pessoa próxima da mulher era o marido e, portanto, ela o requisitava, certamente como forma de sentir-se segura. Ele ainda diz que suas observações mostram que pais que acompanham os partos tendem  a ter uma necessidade de sair da realidade logo após a experiência, o que pode ser notado em doenças e depressões, justamente num momento em que a mulher precisaria de alguém "lúcido" ao seu lado, para proteger o início da relação mãe-bebê, onde são estabelecidos importantes vínculos.

Por fim ele critica o termo "parto humanizado", dizendo que o que difere os seres humanos dos outros animais é sua habilidade em usar instrumentos e que, portanto, o cúmulo do parto humanizado é uma cesariana!

Bem, essa foi praticamente a transcrição das minhas anotações, uma forma de deixá-las organizadas e seguras ;)

Eu sempre gostei muito de aprender, de descobrir coisas novas e agora estou vendo alguns sinais de alerta pelo caminho. Meu novo amigo, o dentista biocibernético Dr. Maurício de Sá Malfate, foi quem me indicou esse workshop e com quem pude compartilhar as sensações em tempo real. Ele mesmo já me alertou do cuidado que preciso ter para não "intelectualizar" demais o processo, da importância de saber "deixar as coisas acontecerem". Ok, estarei atenta ;)

E terminando com a analogia usada pelo Rubem Alves, existe uma diferença enorme entre uma árvore jovem, com sua casca lisa e verde clara, da árvore adulta que trocou de casca. Embora a mesma casca lisa apareça agora, muita coisa aconteceu nesse período! Provavelmente ela está mais alta, exerga mais longe, tem uma estrutura mais sólida e sabe se defender melhor dos ataques das pragas. Logo uma nova casca vai surgir e tornar a cair e surgir novamente!