sábado, 20 de agosto de 2016

Limites e fluxo na lida com crianças pequenas

De uns dois anos pra cá tenho me envolvido com abordagens bem libertadoras da Vida. O conceito de fluxo, a observação dos paradigmas (os que vivemos, os que nos impõem, os que queremos e será que precisamos mesmo de paradigmas?!). Com isso vem uma nova ótica de respeito ao corpo, às vontades, aos instintos, às intuições - e um claro pé atrás com as instituições, com as tradições, com as regras, com o "mas sempre foi assim!". Vem também toda uma revisão das crenças ou, antes, uma atenção em identificar o que é crença e o que é Lei, assim mesmo, com L maiúsculo, pois me refiro às Leis da Vida, e não a essas que inventamos por aí pra tentar exercer um ilusório controle, uma ilusória organização.

Trazendo esses conceitos e essas práticas pra minha vida tudo ficou bem mais leve. O agora assumiu um novo brilho e pude sentir finalmente o que havia buscado por anos em meditações e práticas yôguis.

Só que na relação com meu filho pequeno, agora com 3 anos, tinha algo que não encaixava. A máxima zen budista - comer quando tem fome e dormir quando tem sono - que eu amo e conheço desde criança, e que tem tudo a ver com essa onda que tenho descoberto agora, simplesmente não funcionava quando eu tentava aplicá-la com o Joaquim. Funcionou no começo, quando o comer era amamentação em livre demanda e quando o sono era embalado pelo peito. Era lindo, fluía.

Mas nas transformações dos 2 anos, 3 anos, percebi que eu não podia simplesmente deixar com que ele regulasse seu corpo, ou melhor, com que ele tivesse a responsabilidade de identificar sozinho as necessidades do seu corpo, do seu ser em formação, e as atendesse, ou pelo menos as comunicasse. Olhando em retrospecto me sinto tão ingênua, negligente até; Eu queria que o Joaquim, ao sentir forme, identificasse que era fome e me falasse que estava com fome. Ok, de preparar e oferecer a comida eu me encarregaria, rs... a mesma coisa com o sono. Como demorei pra me dar conta do tamanho da tarefa que eu estava depositando nas mãozinhas rechonchudas dele. Mas, poxa, é tão difícil assim perceber que está com fome?! Que está com sono?! E simplesmente falar? Você já tem uma pessoa ali ao seu dispor pra fazer tudo o que for preciso, você só precisa falar. Mas sim, é uma grande tarefa...

E agora, refletindo sobre isso, estou entendendo que "viver no fluxo" não é simplesmente "deixar rolar", mas é estar atento e forte. No caso do meu desafio particular, e que imagino que seja o desafio de 99% das mães e pais, quando lidamos com uma criança pequena precisamos redobrar a atenção, precisamos estar atentos a eles, precisamos decifrar códigos, ler sinais, farejar. A comunicação não é (só) verbal, a comunicação é muito sutil e a "vida adulta" nos acostuma muito mal a identificar as sutilezas. Essa atenção toda talvez canse, mas o cansaço é um sinal de que estamos saindo do fluxo (!). Por isso que precisamos também estar fortes. Precisamos nos abastecer, nos revigorar, nos arejar. Precisamos aliviar a tensão dos ombros e deixar o corpo leve. O corpo molinho entra no fluxo. Mas o corpo tem que estar molinho E energizado, porque senão cai na preguiça, na inércia, no "deixa rolar". É um estado entre o sono e a vigília, uma combinação alquímica, uma medida exata e perfeita. E o mais maluco - e óbvio - é que essa combinação também flui. Não se trata de uma fórmula a ser encontrada, mas sim de um "estado" a ser cultivado. O tal do "estado de presença".

Talvez dizendo assim você possa achar tudo confuso e muito complicado. Desculpa. Não é essa a ideia. O grande barato é na verdade cultivar esse estado de presença, encontrar essa combinação alquímica entre leveza e atenção. Com leveza e atenção. Pra mim tem sido lindo, mágico, excitante. Me sinto uma criança descobrindo o mundo. Aquela coisa que o Gaarder fala no Mundo de Sofia: viver na ponta do pelo do coelho (aqui um texto que escrevi há anos onde fiz a mesma citação e aqui a citação original do livro).

Antes de prosseguir, uma ressalva: essa coisa linda, mágica e excitante inclui momentos de profundo desespero, inclui gritos, inclui choro, inclui dúvidas. Numa frequência cada vez menor - e intensidade nem tanto. Imagino que nunca deixarão de existir... outra hora falo sobre isso, mas só pra você saber que não estou te enganando. Tenho sim minhas crises! Todos temos, afinal.

Vou falar agora brevemente sobre uma abordagem sobre limites que me abriu horizontes e aliviou as crises. Está nesse contexto da lida com crianças pequenas, mas funciona em qualquer relação.

A primeira coisa é que o limite tem que ser claro e verdadeiro não só pra quem o recebe, mas também pra quem o aplica. Da próxima vez que for comunicar um limite a uma criança, tire alguns segundos pra analisar o limite e faça-se a pergunta que provavelmente a criança fará: por quê?! Responda a si mesmo com toda a sinceridade que possa recolher e continue indagando porquês até que aquele limite esteja perfeitamente claro, verdadeiro e necessário - ou desmorone.

Você não vai fazer isso toda vez, não é um "protocolo de como aplicar limites". A ideia é fazer algumas vezes, em situações tranquilas, que não envolvam estresse e decisões rápidas, só pra você perceber o que é um limite claro e verdadeiro; só pra você perceber de onde vem os limites que você precisa comunicar - se de reais necessidades ou se de imposições culturais, crenças, paradigmas antigos.

Feito isso, desapegue-se imediatamente dos limites falsos! Deixe ruir o "porque sim", o "porque está na hora" (sim, às vezes estar na hora é um limite claro e verdadeiro, mas nem sempre), o "porque todo mundo faz assim", o "porque ninguém faz assim"... permita-se atualizar o sistema. E não caia na armadilha de achar que "encontrou a fórmula". O mesmo limite pode ser claro e verdadeiro num momento e totalmente arbitrário em outro (como o "está na hora").

Quando você tiver conseguido investigar a consistência dos limites que precisa comunicar, certamente vai se sentir absolutamente seguro ao comunicar um limite, e essa segurança bastará pra enfrentar os protestos, quando ocorrerem. Porque isso também é uma crença, uma falsa afirmação: "todo limite é acompanhado de protesto". Da mesma forma que dizer "quando eu souber comunicar um limite não haverão mais protestos" é uma grande ilusão!

A questão é que quando você tem clareza do limite, tem também clareza pra prosseguir com seu cumprimento. Essa clareza de prosseguir com o cumprimento do limite traduz-se em não envolver emoções no processo. Se você diz pra criança fazer ou não fazer algo e ela age na via oposta, ou protesta, isso não é motivo pra ficar bravo, pra dizer que não gosta, que vai ficar triste... nada a ver! Claro que muitas vezes esses sentimentos vem, ficamos com aquela sensação de sermos desrespeitados, humilhados, ou simplesmente perdemos a paciência. Tudo isso indica outras questões, nossas, que não são da criança e que devem ser analisadas em separado daquela situação. Uma coisa são as suas questões e outra é a necessidade da criança obedecer a um limite. Saiba diferenciar essas duas coisas. Para o bem de todos!

E por aqui chega.