os dentes por escovar, o cabelo por arrumar, o abdômen por malhar, a sobrancelha a engrossar
a roupa limpa por dobrar, a roupa dobrada por guardar, a roupa suja por lavar
brinquedos que se amontoam, se misturam, se espalham
miudezas aqui e ali que passeiam pela casa, nômades
os lençois e fronhas, promíscuos, ousados, que insistem em testar novos pares e sorrateiramente escapam entre gavetas e prateleiras, acordando amarrotados em leitos adúlteros
folhas secas no chão esperando a vassoura
folhas secas nas árvores, rindo da vassoura
linhas, linhas e mais linhas por crochetar, tricotar, bordar
materiais e ideias que se acumulam, sobrepõem, provocam
as verduras na geladeira esperando um destino
as panelas vazias, à toa - ao menos estão limpas
a terra seca esperando alguma água
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e o bebê, milagrosamente, dooooooooooooorme
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tanto sol, tanta pele por dourar
tanta água por banhar
tanta vista por ver
tantas trilhas e estradas por percorrer
tanta casa linda por habitar
tanta cama por dormir
tanta comida por comer
tanta rede por preguiçar
tanto, tanto, mas TANTO livro por ler
tanto filme por ver
tanta música por ouvir
tanto amigo pra visitar
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e eu aqui, no sofá, inerte
sem saber por onde começar
ou por onde continuar
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e o bebê, inesperadamente, doooooooorme
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mas basta eu me mover e ele acorda, certeza
então não me movo
fico aqui
escrevendo o que está por escrever
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