quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

XIV - Sexo: falar é mais difícil que fazer

Quando a gente teoriza sobre alguma coisa - ou quando teorizam pra nós - a frase "ah, falar é fácil" acaba surgindo. E no geral é bem verdade... podemos ficar conjecturando sobre mil assuntos, elocubrar soluções salvadoras para o futuro da humanidade, mas na hora do por a mão na massa a coisa é bem diferente. Em geral, falar é mesmo fácil e fazer, realizar, concretizar, que é o difícil.

Pois percebi que quando o assunto é sexo é exatamente o contrário! Até ensaiei uma fala aqui, com a promessa (ou seria ameaça?!) de continuar o assunto, mas sabe o que? Não consigo! E o problema não é a fala em si, mas a falta de cacife pra bancar esse tabu. Minha escrita é muito real, isso que você lê sou eu e me dei conta de que não consigo ficar nua na praça... ou, mais forte ainda, não vou colocar meu marido nu na praça, afinal, não tem como falar em sexo sem envolvê-lo, direta ou indiretamente.

Quando resolvi que falaria sobre o assunto seria no contexto da maternidade, uma vez que tinha me dado conta de que uma relação saudável e franca com a sexualidade é um importante ponto de partida para vivenciar a gestação, o parto e a entrada nessa nova vida de mãe. Os objetivos dos meus blogs sempre são, primeiro, o da auto reflexão (ao escrever organizo as ideias e isso é tão forte que várias vezes já mudei de opinião ao longo do texto!) e segundo, o de compartilhar experiências, sensações e pensamentos, ajudando aqueles que gostam de aprender também com a experiência alheia.

Então arregacei as mangas e fui escrever. Mas como, apesar de gostar muito de escrever, não sou teórica, fui também fazer a pesquisa de campo! E aí percebi que não dá pra ter uma relação saudável e franca com a sexualidade estando envolta no manto azul celeste de Nossa Senhora... (falo por mim, sempre falo por mim!).

E ao mesmo tempo vi que eu não conseguiria escrever publicamente sobre isso. Vou voltar aos meus cadernos...

Mas para não deixar meus queridos leitores na mão (aliás, já pensou sobre a origem dessa expressão?), vou falar um pouco sim sobre o assunto, mas tirando o meu da reta (essa é menos sutil).

Quando assisti a palestra do Michel Odent comprei um livro dele: Água e Sexualidade - a importância do parto ecológico. O título é enigmático... o que seria exatamente um "parto ecológico"? O que água, sexualidade, parto e ecologia tem a ver? Recomendo a leitura, mas advirto: antes de terminar o quarto capítulo você vai estar querendo ir morar na praia ou à beira de um lindo rio ou no mínimo cantando a plenos pulmões com a Elis quero um lago limpo de água potável!

Enfim, o que quero citar do livro é justamente o que me consola nesse fracasso em falar sobre sexualidade: a necessidade de mistério! O autor chama a atenção para o fato de que o erotismo precisa de mistério. O erotismo é a arte de esconder um pouco de pele, mantendo assim um certo mistério, diz ele e complementa: a atmosfera é mais erótica num baile de máscaras do que num campo nudista.

Lendo assim sinto isso tão claro e óbvio, mas por outro lado tenho uma certa dificuldade em assimilar de forma prática, pois geralmente sou bem explícita! Não quero ter dúvidas se o interlocutor está entendendo o que estou falando, então faço questão dos pingos, acentos, vírgulas e pontos... não deixo muita margem pra mistério... mas é um exercício interessante deixar as coisas "no ar", ver pairando alguns pontos de interrogação, ser atravessada por aquele olhar que vasculha os recônditos da alma, deixar um sorriso de Monalisa intrigar alguém.

E então eu vejo que o manto azul celeste da Nossa Senhora é realmente pesado demais, mas um véu de Sherazade pode ser um adereço interessante, ora mostrando uma das pernas, ora as costas, ora escorregando sem querer... ui!

Pois é, sob esse véu então, por enquanto só tenho a dizer que estou fazendo a lição de casa, não necessariamente em casa, não necessariamente do jeito que a professora pediu... será que vou passar de ano?

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29 de fevereiro de 2012 - Dia de comer Nhoque da Fortuna!


Acabei de publicar a postagem e já deu vontade de acrescentar coisas... é que de repente penso que essa necessidade de deixar tudo tão explícito venha da ausência dos mistérios das iniciações, onde esse mistério é partilhado por um círculo de pessoas e continua misterioso para as demais. Na nossa organização social as iniciações parecem não ter mais espaço, está tudo no Google, busca-se compulsivamente por informação, justamente porque esses círculos seguros dos iniciados mais experientes não mais existem. Estamos órfãos e perdidos...


Essa reflexão me veio ao assistir um vídeo de um parto em casa. A iniciação mais linda e forte da minha vida foi ver a Clara nascer, foi ver a mãe Carol Mendes nascer, ao vivo e vivenciando cada uma das 14h do trabalho de parto que acompanhei (e ainda teve as que não acompanhei...). E essa é uma iniciação importante, à qual toda mulher tem direito. Acompanhar o nascimento do sobrinho, do afilhado; amparar o nascimento do neto, do sobrinho, do afilhado (no caso das mães já iniciadas, que dão suporte às iniciantes...). Esse círculo de mulheres é tão importante, esse suporte é tão necessário e no entanto, quem vê crianças nascerem hoje em dia? Quem vê crianças nascerem de forma natural hoje em dia? Que consequências isso tem na formação das pessoas?


Os videos de partos que assisti também me foram extremamente úteis e vejo que a proliferação desses vídeos possa ser uma reação à necessidade das iniciações, usando as ferramentas disponíveis, mas espero que essa reação seja como uma febre, que é uma medida drástica do corpo para reorganizar seu equilíbrio. Não vou tomar antitérmico, pois sei de sua importância, mas espero que a febre passe... 

5 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, Carol. Ele me proporciou uma viagem no tempo e no espaço. Quando eu era adolescente e com os hormônios à flor da pele, eu passava noite em claro conversando com minhas amigas sobre sexo. Naquela época só falava, depois quando comecei a desfruta-lo ainda falava um pouco, mas com bem menos frequência e detalhes, agora depois de casada, como você mencionou no seu texto, não dá para expor tanto o nosso amado.
    Confesso que converso as vezes de forma mais superficial com uma ou duas muito boas amigas, mas entendo que isso é ter a sexualidade resolvida. Aliás fazendo alusão ao propósito do filho do Aralume, lidar com a maternidade, pair, dar o peito, etc fica muito mais fácil ou natural quando não há dúvidas, tramas ou tabus relacionados á sexualidade.
    Beijos e continuo aqui no aguardo de mais textos como esse.
    Lu

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    1. Oi Lu, obrigada pela companhia! Seu comentário me fez lembrar também das noites intermináveis e recheadas de assuntos picantes, só entre amigas, quando a gente realmente só falava, rs... entendo e compartilho dessa sua trajetória entre o falar e o fazer, mas sinto que é fundamental ter aquelas amigas confidentes, poucas e boas, pra falar sobre o assunto de vez em quando.

      Isso me lembrou um capítulo do livro Mulheres que correm com os lobos, que é o cap.11 - O cio: a recuperação de uma sexualidade sagrada. Nesse ponto a autora fala do "obsceno sagrado", que é uma sabedoria sexual bem humorada... ela fala das histórias "obscenas" que fazem a gente rir às gargalhadas... aquelas histórias entre amigas mesmo, quando estamos à vontade e sem medo dos julgamentos e preconceitos. Veja que bacana:

      "Há algo numa risada sexual que é diferente de uma risada sobre temas mais educados. Uma risada "sexual" parece chegar longe e fundo na psique, sacudindo
      todos os tipos de coisas, tocando nos nossos ossos e fazendo com que uma sensação agradável corra por nosso corpo. Ela é uma forma de prazer selvagem que está à
      vontade no repertório psíquico de qualquer mulher.

      O sagrado e o sensual/sexual vivem muito próximos um do outro na psique, pois eles despertam nossa atenção por meio de uma sensação de assombro, não por alguma racionalização, mas pela vivência de alguma experiência física do corpo, algo que instantaneamente ou para sempre nos muda, nos sacode, nos leva ao ápice, abranda nossas rugas,-nos dá um passo de dança, um assobio, uma verdadeira explosão de vida."

      É impressão minha ou esse segundo parágrafo tem TUDO a ver com a maternidade?!?! Continuando com a citação do livro:

      "O riso é um lado oculto da sexualidade feminina: ele é físico, essencial, arrebatador, revitalizante e, portanto, excitante. É um tipo de sexualidade que não tem objetivo, como a excitação genital. É uma sexualidade da alegria, só pelo momento, um
      verdadeiro amor sensual que voa solto e que vive, morre e volta a viver da sua própria energia. Ele é sagrado por ser tão medicinal. É sensual por despertar o corpo e as emoções. Ele é sexual por ser excitante e gerar ondas de prazer. Ele não é unidimensional, pois o riso é algo que compartilhamos com nosso próprio self bem como com muitos outros. É a sexualidade mais selvagem da mulher."

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  2. Que memorias e sensacoes deliciosas heim? Obrigada tambem por compartilhar um trecho do livro, acredita que ainda nao li esse livro? Ja li criticas e fiquei muito curiosa/interessada, mas os livros infantis e outros sobre maternidade acabam tendo prioridade nas malas que viajam entre o Brasil e a Australia.
    Sim, o segundo paragrafo descreve muito bem a experiencia da maternidade. Ah, e por falar nisso temos novidade vinda daqui da Terra australis...
    Beijos
    Lu

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    1. Novidade?! Oba!!! Que delícia!

      Acho que por enquanto o melhor é você ficar mesmo nessa imersão da maternidade, mas assim que o/a caçula fizer uns dois anos e você estiver "voltando a ser gente" (rs...) sugiro que agarre esse livro e nesse momento ele certamente vai te ajudar a deixar um pouquinho de lado a mãe, pra reconstruir o ser mulher, que, é claro, inclui a mãe, mas não só...

      Felicidades querida!

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