terça-feira, 4 de setembro de 2012

Ser mãe em uma civilização patriarcal

Foi quando comecei a praticar yôga, um yôga de linha tântrica* e, portanto, matriarcal, que foi sendo chamada a minha atenção para essa dualidade, para o fato de que nossa civilização é patriarcal e como isso pode ser muito triste e prejudicial, não apenas para as mulheres, mas para toda a humanidade.

Logo em seguida, quando conheci meu querido Dr. Edison (conheça-o também aqui), a temática ficou ainda mais presente, pois era tema frequente em suas falas os prejuízos catastróficos do que ele chamava de "patriarcado econômico", que é esse sistema maluco no qual estamos todos imersos e do qual não sabemos como sair...

E agora, mais uma vez a terminologia e suas definições vem à tona, na fala da escritora argentina Laura Gutman (também peça do meu quebra-cabeça, saiba aqui), que tive o imenso prazer de ouvir e assistir esse domingo, no primeiro evento que ela participou no Brasil.

Pois bem, sendo as palavras da Laura as mais recentes, vamos a elas:

A civilização patriarcal está baseada na conquista e na dominação, enquanto que uma civilização "matrifocal" (esse termo é novo pra mim) baseia-se na liberdade sexual, na solidariedade e na ecologia.

Adendo meu, com base nos estudos anteriormente citados: as civilizações patriarcais tiveram início em um período de guerras e conquistas, alguns milhares de anos antes de Cristo, só pra situar um pouco o contexto histórico. Não sei direito por que raios esse povo resolveu que tinha que guerrear e conquistar, mas o fato é que eles tinham como objetivo formar guerreiros, pois disso dependiam suas vitórias. E guerreiros não se formam na barra da saia de suas mães... e mães que deixam fluir seus sentimentos e intuições não permitem que seus filhos sejam delas separados... e assim surgiu a repressão e a ordem de banir qualquer tipo de sensorialidade... mesmo porque, de que servem guerreiros "sensíveis"?!

Voltando à Laura, veja como ela elenca as principais ferramentas do patriarcado (comentários meus em itálico):
- Separação do bebê do corpo da mãe: o bebê sente raiva e se torna uma pessoa agressiva (isso é genial para formar guerreiros!)
- Mãe que permite a separação, afinal, ela já sentiu raiva e já sofreu separações (por conta de um sistema repressor, que pune sem dó qualquer um que saia da estratégia estabelecida)
- Repressão sexual (é justamente por esse detalhe que o Tantra é equivocadamente associado a exotismos sexuais... interpretação de quem foi e é absolutamente reprimido em todos os seus prazeres): corpo é pecado, contato é pecado, prazer é pecado. O melhor é não sentir. (Claro! Imagina um soldado em campo de batalha buscando o prazer! Imagina um soldado sentindo solidariedade por um inimigo! Imagina a mãe sentindo falta do seu filho...). Essa é a principal ferramenta da conquista.

E para que o "mal seja cortado pela raiz", o sistema patriarcal tratou de fazer com que as mulheres parissem em cativeiro, em uma situação tão insólita, tão diferente do seu "habitat natural", que faz com que ela mal reconheça sua cria, dificultando, ou melhor, impedindo, um contato verdadeiro e profundo entre mãe e filho, facilitando, dessa forma, sua separação.

Sim, meus caros, a civilização patriarcal é baseada na crueldade (palavra da Laura).

O seminário dela abordou muitas outras coisas, mas por enquanto vou me ater a esse aspecto, no qual tenho interesse particular, justamente porque estamos tão imersos nessa civilização e temos tão poucos registros de outra possibilidade, que ter ações fora do sistema parece algo intangível, mas ao mesmo tempo vital.

Uma portinha, apontada pela Laura, é se observar em ações e vocabulários simples, que são grandes armadilhas. Por exemplo: combater é um verbo e uma ação essencialmente patriarcal. Mesmo que você queira "combater a violência"... você está em combate, percebe? Você está se transformando em um guerreiro e, das duas, uma: ou o guerreiro sufoca até a morte seus sentimentos, ou ele sucumbe, sucumbindo também sua batalha.

O que dizer então do verbo conquistar? A conquista é um grande pilar do patriarcado. Dizer que queremos "conquistar o afeto, conquistar o amor" é mais uma dessas armadilhas. Parece bobo? Então vale a pena estudar um pouco o poder das palavras (Laura falou disso também, especialmente das palavras proferidas de mãe pra filho).

Outra portinha aberta pela Mestra é que, segundo um pensamento matrifocal, a mudança deve ser interna, íntima e pessoal. "Mudar o mundo" é o equivalente a "conquistar o mundo" e isso é patriarcal, isso é repressor, isso é dominador... e não é assim que as coisas vão dar certo...

Eu, sinceramente, saí de lá com o coração tranquilo. Eu, que tenho ímpetos guerreiros, que me identifico com as Amazonas, que muitas vezes quis empunhar bandeiras e ir para o campo de batalha, comecei a entender que o que eu menos quero são batalhas; comecei a entender que o meu protesto é não participar disso; comecei a entender que a minha contribuição limita-se a, no máximo, escrever, já que lê quem quer e aplica quem tem vontade e identificação. Vontade é um termo que considero, aqui na minha insignificância, bastante matriarcal. Se tem vontade, faz, se não tem, não faz. Simples assim. E dessa forma vamos dando ouvido a nossas vontades, que vão surgindo de forma cada vez mais clara e objetiva e são as guias mais preciosas para nossa felicidade e bem estar. E uma comunidade feliz só pode ser feita com pessoas felizes...

E sabe qual é a sensação mais forte que me veio com essa história toda? A sensação de que eu sou LIVRE. Se a mudança está em mim, e só em mim, isso me traz uma liberdade imensa. É difícil explicar... qualquer hora eu consigo...

Por fim eu gostaria de lembrar que uma civilização matriarcal, ou matrifocal, é aquela baseada em conceitos relativos não ao feminino, mas à maternidade. O "feminismo" já deu sua contribuição, mas não conseguiu sair da teia de um sistema patriarcal... 


* segundo aprendi com meu Mestre, as inúmeras linhas de yôga dividem-se, entre outras coisas, em duas tendências de fundamentação filosófica, que são o Tantra e o Brahmachárya. Essas correntes dizem respeito a filosofias comportamentais, sendo que a primeira, mais antiga, caracteriza-se por ser matriarcal, sensorial e desrepressora e a segunda, surgida em meio ao período de guerras e conquistas, carateriza-se por ser patriarcal, anti-sensorial e repressora. Infelizmente (na minha opinião, é claro!), a grande maioria das linhas de yôga baseia-se na segunda corrente filosófica, embora muitos instrutores nem se atentem a isso e os praticantes muito menos.

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