terça-feira, 15 de setembro de 2015

Quem ama cuida

Esses dias eu estava prestando atenção numas letras de músicas infantis de um CD com temática ambiental. No começo achei bonitinho, engraçado, mas logo veio aquele cutucão, aquele impulso interno que não me abandona e que não me deixa levar nada - ou quase nada - superficialmente.

Aquelas letras eram simplesmente apavorantes!

Pinguins preocupados com suas geleiras derretendo; o nível do mar vai aumentar tanto que vai transbordar. E a mensagem: "por isso é importante a gente preservar", aconselhando que não devemos queimar as florestas nem jogar lixo no chão e devemos cuidar dos animais. Desculpa pessoal, sei que a intenção é das melhores, mas ta tudo desencontrado...

Aí tem outra que fala do lobo guará: "se não cuidar, pode se acabar". Gente, socorro! Eu quase chorei ouvindo essa música e lembrando do lobo guará, com aquelas pernonas compridas e cara de bonzinho. Me fala, pelamordedeus, como é que eu cuido do lobo guará?!?! "Preservar a Mata Atlântica e o Cerrado, denunciar desmatamentos e queimadas, monocultura também não está com nada". Como é que uma criança faz isso? Você pode até falar que a criança vai falar pro pai fazer, mas será que adianta? Será que é esse o caminho?

Tenho impressão que com essas mensagens, na melhor das hipóteses, a criança não vai entender nada... mas se entender vai ficar apavorada! Consciente ou inconscientemente...

Ando às voltas com a educação de forma geral, e agora chegou a vez de olhar pra educação ambiental, essa vertente que tanto me atraiu na faculdade de engenharia florestal, mas que nunca consegui aplicar nem aprofundar.

Essa reflexão me lembrou de algumas orientações antroposóficas sobre como apresentar o mundo pras crianças e acho que a educação ambiental seria muito feliz se se baseasse em três metas muito simples. Nos primeiros 7 anos a mensagem deve ser "o mundo é bom". A criança pequena precisa se sentir segura, precisa ter conforto, precisa de coisas de qualidade (comida, roupas, brinquedos, músicas... e por qualidade entenda-se "quanto mais natural melhor"). Enfim, em cada gesto, em cada objeto, a criança deve receber essa sensação de que o mundo é bom! Nessa fase, pros educadores ambientais (e pais) eu sugeriria incursões cautelosas à natureza. Prezando sempre pelo conforto, nada de perrengues nem coisas radicais. Passeios que transmitam a mensagem "é BOM estar na natureza". Experimentar frutas gostosas, colhidas no pé... sentir o frescor da água num dia quente, sentir o calor do sol num dia frio, brincar com texturas (areia, terra, folhas secas...).

Entre os 7 e os 14 anos a mensagem é que "o mundo é belo". Aqui, em termos de educação ambiental da pra nadar de braçada! Desde pequenas flores no jardim até pores do sol arrebatadores, mesmo que exijam alguma caminhada. Paisagens naturais em geral. Não é difícil encontrar o belo na natureza.

Dos 14 aos 21 anos a mensagem é que "o mundo é justo". Devo dizer que ainda não li esse capítulo, então se você está lidando com "crianças" dessa fase, corra e me conte!

E agora me fale: quando a gente apresenta pra uma criança, até mesmo pra um adolescente, que animais estão ameaçados de extinção?! Que águas estão poluídas? Aquecimento global? Isso é bom? É bonito? É justo?!

Assim como na minha reflexão sobre a escassez de água, volto a insistir que esse é um problema nosso, não deles. A educação ambiental deveria se concentrar em mostrar as belezas da natureza. E ponto! Quem ama cuida!

2 comentários:

  1. um grupo dos grupo s que oriento na disciplina de ed. ambiental queria elaborar um projeto para o ensino infantil e fiz justamente essa discussão com o grupo em aí deixamos para depois a ideia de trabalhar a ed. ambiental nessa fase, mas foi muito legal a discussão que lancei no grupo... é realmente preciso aprofundar e trazer novas questões e seu texto foi uma boa síntese do qu falamos e das orientações, mas qdo o mundo rela salta aos olhos? por toda a parte?como animais e seres humanos abandonados a própria sorte, muitas vezes feridos... já passei por essas situações com as meninas, aliás, hj mesmo... A Carolina estava indo para escola e viu uma cachorrinha toda machucada e com sede ela parou e sofreu momentaneamente com ela... e o que fazer? Assim o mundo aos poucos se apresenta não só em sua beleza, o que nos esforçamos para mostrar e viver....

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    1. Oi Billy, obrigada pelo comentário! Isso que você fala tem muito a ver com outras reflexões que tenho passado ultimamente. Posso destacar duas coisas: uma é que nem sempre o que nós, adultos, identificamos como sofrimento é visto dessa forma pelas crianças. É preciso ter um olhar atento pra não "contaminar" as crianças com a nossa bagagem de julgamentos, dores e cia. Por exemplo, ao ver dois meninos de rua brincando numa pracinha eu vejo abandono, dor e tristeza, mas uma criança pode ser que veja apenas a brincadeira. Então acho que a primeira coisa é deixar com que a criança traga a questão, ao invés de se adiantar e começar a falar sobre abandono, desigualdade social e injustiças diversas... o exemplo na área social é mais fácil, mas na área ambiental dá pra aplicar também. Se a criança não vê poluição, não a mostre pra ela... Outro ponto importante é ensinar (e aprender!) a separar tristeza de sofrimento. Tristeza é natural, faz parte das "estações do ano" das emoções humanas. Ela tem sua função, que é principalmente de sensibilizar, de nos tornar mais cuidadosos com o outro e com o ambiente, ou com nós mesmos. Já o sofrimento não é obrigatório. Podemos escolher passar por uma situação de tristeza sem sofrer. Sabe como? Identificando a ação necessária! Seguindo seu exemplo da cachorrinha machucada, existe sim uma tristeza e essa tristeza pode servir para que vocês providenciem uma vasilha com água, por exemplo. Pronto, um ato simples como esse já aliviou a sede da cachorrinha e vocês podem seguir seus caminhos um pouco mais leves. E se não der pra buscar água? Então que essa tristeza possa ser usada pra evitar maus tratos e abandono de outros bichos, não enquanto militância, mas com ações reais, que muitas vezes são muito simples. Você pode dizer que uma vasilha com água seria uma ajuda momentânea e que a dor da cachorrinha continuaria... aí é questão da gente observar nossos limites e aceitá-los. Se posso levar a cachorrinha pra casa e cuidar dela,maravilha! Mas se não posso, não devo me culpar ou sofrer por isso. Cada um tem sua história. E quando as histórias se cruzam o importante é saber o que FAZER ali, naquele momento. O que vem depois não nos pertence... Vai saber se aquela vasilha de água não prolongaria a vida da cachorrinha até que ela pudesse ser resgatada por alguém que tinha condições de cuidar dela?! Ou não, mesmo com a água ela iria morrer em seguida. Nunca se sabe o que vai acontecer, mas o importante é observar o que se passa dentro da gente e agir a partir daí, sem expectativas.
      Enfim, estou indo longe e nunca precisei ter esse tipo de abordagem com crianças, pois meu filho tem só dois anos e ainda não me colocou nessas saias justas, rs... mas tenho usado essa abordagem em mim. Identificar o sentimento e procurar a ação que ele pede, nesse conjunto sentimento-momento-relação. Tenho experienciado algumas tristezas livres de sofrimento...

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