terça-feira, 24 de abril de 2012

Triste como um pôr-do-sol


Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa

Novamente começo meu texto com uma citação, desta vez da obra prima O guardador de rebanhos, de Alberto Caieiro.

Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr-do-sol

Outro dia tive vontade de escrever sobre o entardecer. As palavras começaram a surgir de forma tão natural que pude até reconhecer as construções das frases e pensei que já tinha escrito sobre isso. Acabei desistindo da ideia e cheguei até a ficar preocupada com minha inspiração e criatividade, com medo de ficar repetitiva!

Pois bem, se já escrevi, vou escrever de novo! Quando comecei a ler O guardador de rebanhos, procurando outro trecho para uma citação do Aralume, e vi o verso mas eu fico triste como um pôr-do-sol, não teve como deixar o tema de lado, pois ele descreve exatamente o que estou passando.

Eu gosto do fim do dia. Aqueles preciosos momentos da “luz boa”, essa luz que não espera, que muda a cada minuto, como que dizendo “faça agora ou deixe pra amanhã. Vai deixar pra amanhã?!”. E então o sol se vai. Nesse momento parece que tem um lapso de silêncio, a hora da Ave Maria para os católicos. Sem dúvida um instante precioso do dia, propício à introspecção, ao silêncio, a uma breve meditação. Experimente ouvir a música Seis horas da tarde, do disco Ângelus, do Milton Nascimento. Experimente dedicar quatro minutos a simplesmente ouvir essa música, como uma forma de encerrar o dia e dar as boas vindas à noite.

Feito isso, é hora de fechar as janelas, tomar um banho cheiroso e colocar roupas quentinhas, preparar uma sopa. Nos tempos de Pedra Bela, o ritual começava acendendo o fogão a lenha, que iria aquecer a água do banho e da sopa. Ainda sinto o cheiro da fumaça que tomava conta do pequeno vale todo fim de tarde.

Há uma melancolia no entardecer. Queira ou não, o dia se foi. Tenha você cumprido ou postergado suas tarefas, o dia se foi. Mas ele deixa a promessa de um amanhecer e, ao mesmo tempo que isso nos traz esperança, traz também dúvida: conseguirei fazer amanhã o que não fiz hoje? Quais serão os planos inacabados que o próximo entardecer sentenciará?

O entardecer nos lembra que a vida é cíclica; nos lembra também que as mudanças de ciclos são graduais – há uma tolerância na natureza; e que, para amenizar o apego ao ciclo anterior e as inseguranças para com o próximo, as transições são lindas! As transições dia-noite-dia são enfeitadas, são poéticas e tem um colorido todo especial.

Relendo as anotações que fiz no Mulheres que correm com os lobos paro em uma frase duplamente grifada: a natureza não pede licença. Logo abaixo outro grifo: o que deve morrer morre. O parágrafo continua assim: “para a maioria das mulheres, deixar morrer não é contra sua natureza, é contra sua criação. Todas nós sabemos no fundo de los ovarios quando chegou a hora da vida, quando chegou a hora da morte. Podemos tentar nos enganar por vários motivos, mas sabemos”.

Às vezes eu interpreto essa mudança tão drástica nos meus planos (milimetricamente calculados, diga-se de passagem) como um aviso da natureza, dizendo: alto lá, não é você que está no comando! Por mais que, assim como Os Doces Bárbaros, nossos planos sejam muito bons, sinto o peso de uma mão enorme empurrando minha cabeça até o chão e mostrando quem é que manda.

Nem se eu quisesse seria possível tirar essa mão da minha cabeça; eu não teria força suficiente para fazer frente a essa imposição muito maior do que eu e que na verdade nem me dá sua dimensão.

Desconfio que eu tenha me enganado em algum passo...

Mas não vou tentar descobrir qual foi, porque agora, com a cara no chão, não consigo nem olhar pro lado, quanto mais para trás. A única coisa que posso fazer – e que sinto que devo fazer – é praticar a décima norma ética do Yôga, a autoentrega. Chega de querer analisar os fatos, chega de querer enxergar o que os olhos não podem ver. E nessa hora, por incrível que pareça, é na medicina convencional que me apoio.

Quem me conhece sabe que não concordo com o esquartejamento que a medicina faz, olhando cada mínima parte isolada do todo, ignorando corpos sutis e outros tipos de interações energéticas, kármicas, cósmicas! Mas agora, se é que entendo a mensagem, exercitando a autoentrega, essa visão simplista e reduzida é tudo o que eu preciso: fui vítima de uma fatalidade, houve uma falha na multiplicação celular, o embrião não passou no controle de qualidade. O que deve morrer morre. A natureza não pede licença.

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