Mas a minha tristeza é
sossego
Porque é natural e justa
Novamente começo meu texto com uma citação, desta vez
da obra prima O guardador de rebanhos, de Alberto Caieiro.
Toda a paz da
Natureza sem gente
Vem sentar-se a
meu lado.
Mas eu fico
triste como um pôr-do-sol
Outro dia tive vontade de escrever sobre o
entardecer. As palavras começaram a surgir de forma tão natural que pude até
reconhecer as construções das frases e pensei que já tinha escrito sobre isso.
Acabei desistindo da ideia e cheguei até a ficar preocupada com minha
inspiração e criatividade, com medo de ficar repetitiva!
Pois bem, se já escrevi, vou escrever de novo! Quando
comecei a ler O guardador de rebanhos, procurando outro trecho para uma citação
do Aralume, e vi o verso mas eu fico
triste como um pôr-do-sol, não teve como deixar o tema de lado, pois ele
descreve exatamente o que estou passando.
Eu gosto do fim do dia. Aqueles preciosos momentos da
“luz boa”, essa luz que não espera, que muda a cada minuto, como que dizendo
“faça agora ou deixe pra amanhã. Vai deixar pra amanhã?!”. E então o sol se
vai. Nesse momento parece que tem um lapso de silêncio, a hora da Ave Maria
para os católicos. Sem dúvida um instante precioso do dia, propício à
introspecção, ao silêncio, a uma breve meditação. Experimente ouvir a música
Seis horas da tarde, do disco Ângelus, do Milton Nascimento. Experimente
dedicar quatro minutos a simplesmente ouvir essa música, como uma forma de
encerrar o dia e dar as boas vindas à noite.
Feito isso, é hora de fechar as janelas, tomar um
banho cheiroso e colocar roupas quentinhas, preparar uma sopa. Nos tempos de
Pedra Bela, o ritual começava acendendo o fogão a lenha, que iria aquecer a
água do banho e da sopa. Ainda sinto o cheiro da fumaça que tomava conta do
pequeno vale todo fim de tarde.
Há uma melancolia no entardecer. Queira ou não, o dia
se foi. Tenha você cumprido ou postergado suas tarefas, o dia se foi. Mas ele
deixa a promessa de um amanhecer e, ao mesmo tempo que isso nos traz esperança,
traz também dúvida: conseguirei fazer amanhã o que não fiz hoje? Quais serão os
planos inacabados que o próximo entardecer sentenciará?
O entardecer nos lembra que a vida é cíclica; nos
lembra também que as mudanças de ciclos são graduais – há uma tolerância na
natureza; e que, para amenizar o apego ao ciclo anterior e as inseguranças para
com o próximo, as transições são lindas! As transições dia-noite-dia são
enfeitadas, são poéticas e tem um colorido todo especial.
Relendo as anotações que fiz no Mulheres que correm
com os lobos paro em uma frase duplamente grifada: a natureza não pede licença. Logo abaixo outro grifo: o que deve
morrer morre. O parágrafo continua assim: “para a maioria das mulheres, deixar
morrer não é contra sua natureza, é contra sua criação. Todas nós sabemos no
fundo de los ovarios quando chegou a
hora da vida, quando chegou a hora da morte. Podemos tentar nos enganar por
vários motivos, mas sabemos”.
Às vezes eu interpreto essa mudança tão drástica nos
meus planos (milimetricamente calculados, diga-se de passagem) como um aviso da
natureza, dizendo: alto lá, não é você
que está no comando! Por mais que, assim como Os Doces Bárbaros, nossos planos
sejam muito bons, sinto o peso de uma mão enorme empurrando minha cabeça até o
chão e mostrando quem é que manda.
Nem se eu quisesse seria possível tirar essa mão da
minha cabeça; eu não teria força suficiente para fazer frente a essa imposição
muito maior do que eu e que na verdade nem me dá sua dimensão.
Desconfio que eu tenha me enganado em algum passo...
Mas não vou tentar descobrir qual foi, porque agora,
com a cara no chão, não consigo nem olhar pro lado, quanto mais para trás. A
única coisa que posso fazer – e que sinto que devo fazer – é praticar a décima norma ética do Yôga, a
autoentrega. Chega de querer analisar os fatos, chega de querer enxergar o que
os olhos não podem ver. E nessa hora, por incrível que pareça, é na medicina
convencional que me apoio.
Quem me conhece sabe que não concordo com o
esquartejamento que a medicina faz, olhando cada mínima parte isolada do todo,
ignorando corpos sutis e outros tipos de interações energéticas, kármicas,
cósmicas! Mas agora, se é que entendo a mensagem, exercitando a autoentrega,
essa visão simplista e reduzida é tudo o que eu preciso: fui vítima de uma
fatalidade, houve uma falha na multiplicação celular, o embrião não passou no
controle de qualidade. O que deve morrer morre. A natureza não pede licença.
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